O Espírito pode escolher uma prova muito rude
1 Sob a influência das ideias carnais, o homem, na Terra, só vê das provas o lado penoso.
Eis a razão por que lhe parece natural sejam escolhidas as provas que, do seu ponto de
vista, podem coexistir com os gozos materiais.
2 Na vida espiritual, porém, compara esses gozos fugazes e grosseiros com a inalterável
felicidade que lhe é dado entrever, e desde logo nenhuma impressão mais lhe causam os
passageiros sofrimentos terrenos.
3 Assim, pois, o Espírito pode escolher prova muito rude e, conseguintemente, uma
angustiada existência, na esperança de alcançar depressa um estado melhor, como o
doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável para se curar de pronto.
4 Aquele que intenta ligar seu nome à descoberta de um país desconhecido não procura
trilhar estrada florida. Conhece os perigos a que se arrisca, mas também sabe que o espera
a glória, se lograr bom êxito.
5 A doutrina da liberdade que temos de escolher as nossas existências e as provas que
devamos sofrer deixa de parecer singular, desde que se entenda que os Espíritos, uma vez
desprendidos da matéria, apreciam as coisas de modo diverso da nossa maneira de
apreciá-las. Divisam a meta, que bem diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo.
A existência terrena é mera cópia da vida espiritual
6 Após cada existência, veem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em
pureza para atingirem a meta. Daí o se submeterem voluntariamente a todas as vicissitudes
da vida corpórea, solicitando as que possam fazer que a alcancem mais rapidamente.
7 Não há, pois, motivo de espanto no fato de o Espírito não preferir uma existência mais
suave. Não lhe é possível, no estado de imperfeição em que se encontra, gozar de uma
vida isenta de amarguras. Ele sabe disso e, precisamente para chegar a fruí-la, é que trata
de se melhorar.
8 Não vemos, aliás, todos os dias exemplos de escolhas tais? Que faz o homem que passa
uma parte de sua vida a trabalhar sem trégua nem descanso, para reunir haveres que lhe
assegurem o bem-estar na velhice? O militar que se oferece para uma perigosa missão, o
navegante que afronta não menores perigos, por amor da ciência ou no seu próprio
interesse, que é que fazem, senão sujeitar-se a provas voluntárias de que lhes advirão
honras e proveito, se nelas não sucumbirem?
9 A que sacrifícios não se submete ou se expõe o homem movido por interesses diversos?
E os concursos? Não são eles também provas voluntárias a que as pessoas se sujeitam
com vistas a avançarem na carreira abraçada? Ninguém galga qualquer posição nas
ciências, nas artes, na indústria, senão passando pela série de posições inferiores, que
constituem igualmente outras tantas provas.
10 A existência terrena é, pois, cópia da vida espiritual. Nela se nos deparam em ponto
pequeno todas as peripécias da outra. Ora, se na existência terrena muitas vezes
escolhemos duras provas, visando a uma posição mais elevada, por que não haveria o
Espírito – que enxerga muito mais longe – de escolher uma existência árdua e laboriosa,
desde que isso o conduza à felicidade eterna?
O encarnado é qual viajante no sopé da montanha
11 Os que dizem preferir terem nascido príncipes ou milionários, assemelham-se aos
míopes, que apenas veem aquilo em que tocam. São como o viajante que atravessa
profundo vale ensombrado por espesso nevoeiro. Ele não logra apanhar com a vista a
extensão da estrada por onde vai, nem os seus pontos extremos. Chegando, porém, ao
cume da montanha, abrange com o olhar quanto percorreu do caminho e quanto ainda lhe
resta percorrer. Divisa-lhe o termo, vê os obstáculos que deve transpor e combina então os
meios mais seguros de atingi-lo.
12 O Espírito encarnado é qual viajante no sopé da montanha. Desenleado dos liames
corpóreos, sua visão a tudo domina, como a daquele que subiu ao topo do monte. Para o
viajor, no termo da sua jornada está o repouso após a fadiga; para o Espírito, está a
felicidade suprema, após as tribulações e as provas.
13 Dizem os Espíritos que, na erraticidade, eles se aplicam a pesquisar, estudar, observar,
para fazerem sua escolha. Não se oferece, na vida corpórea, um exemplo desse fato? Não
levamos, frequentemente, anos a procurar a carreira pela qual afinal nos decidimos, certos
de ser a mais apropriada a nos facilitar o caminho da vida?
14 Se numa o nosso intento se malogra, recorremos a outra. Cada uma das que abraçamos
representa uma fase, um período da vida. Não nos ocupamos cada dia em cogitar do que
faremos no dia seguinte? Ora, que são para o Espírito as diversas existências corporais,
senão fases, períodos, dias da sua vida de Espírito? E fases – entendamos bem –
transitórias, passageiras, porquanto a vida espiritual é que é a vida normal, porque, afinal de
contas, somos Espíritos e não um amontoado de ossos e músculos.
Thiago Bernardes – Escolha das provas - O Consolador – Nº 74 – 21/09/2008
Bibliografia:
Kardec Allan, O Livro dos Espíritos, (itens 258, 259 e 266.)
André Luiz, Os Mensageiros, (pp. 41 a 71), (Chico Xavier).
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